TaKeTiNa: polirritmia no corpo, equilíbrio na mente

“Ritmos para o corpo e a mente”: primeira reportagem brasileira sobre TaKeTiNa, por Ieda Estergilda na revista Planeta (out/2011)

A palavra por si só já desperta curiosidade. Taketina. O que é? Tem quem usa “K” maiúsculo e separe as sílabas. Ta Ke Ti Na. Sentiu o ritmo? É isso: uma técnica que utiliza o ritmo pelo corpo, envolvendo simultaneamente palmas, passos e vocalizações para transformação da mente. Uma mistura de música, educação, terapia, sem ser musicoterapia, xamanismo new age ou candomblé. Um processo original que acessa o ritmo que todos nós naturalmente possuímos, relaxando e revitalizando o corpo, criando música de uma forma natural e orgânica.

A técnica existe há 40 anos, resultado de décadas de pesquisas desenvolvidas pelo músico e compositor austríaco Reinhard Flatischler, aluno de mestres de percussão das grandes tradições do ritmo: cubana, africana, coreana, japonesa, brasileira, árabe e indiana. Foi um dos primeiros a reconhecer que ritmos neurológicos vegetativos controladores das nossas funções essenciais podem ser influenciados por movimentos externos.

Ao pesquisar o ritmo em seus elementos básicos, Reinhard Flatischier viu a possibilidade de se cultivar uma mente mais estável e um corpo mais presente, e de como esses ritmos também podem ser complexos e musicalmente desafiadores. Em 1989 e 1999, o líder do grupo Megadrums, que inclui músicos como Airto Moreira, Zakir Hussain, Glen Velez, Milton Cardoso, Kent Stephen e Leonard Eto, realizou em conjunto com a Associação Alemã para a Terapia da Dor o Taketina Rhythm Research Project, depois de vários pacientes mostrarem melhorias inesperadas. Dos anos 70 para cá, muitos têm experimentado o impacto do processo na mente, no corpo e na alma, traduzido em alegria, presença, complexidade e intensidade. Com o interesse de médicos e cientistas em pesquisar os efeitos sobre o sistema nervoso e na consciência, a aplicação dos resultados em cardiologia, medicina esportiva de alto desempenho, fisiologia, medicina geral e pesquisa do estresse já está acontecendo.

Os primeiros seminários de Taketina ocorreram na Índia e na Europa, com a participação de músicos e musicoterapeutas conhecidos. Durante o “Pan Music Festival”, em Seul, Coréia, a técnica entrou no currículo do Centro de Drama (Seul). Reinhard Flatischler oferece workshops regulares na Europa, Austrália e nos Estados Unidos, onde mantém curso de formação de professores em Portland, no Oregon. Existem mais de 200 professores de Taketina trabalhando em todo o mundo em diferentes áreas. Atualmente, conduz projeto de pesquisa com os membros da Sociedade de Investigação Cronobiológica, em Viena, para documentar os efeitos da técnica sobre a ritmicidade do corpo. Os resultados preliminares revelam que é possível estimular as altas frequências na variabilidade da frequência cardíaca, que também ocorrem durante o sono restaurador ou a meditação profunda.

“Durante o processo de Taketina, os participantes aprendem a criar ritmos diferentes em vários níveis. O racional e o emocional, o som e o silêncio, a ação e a pausa, o caos e a ordem são experimentados simultaneamente”, diz Gustavo Gitti, que conheceu a técnica diretamente com seu criador no ano 2000, em um centro de retiros perto de Portland, durante um workshop de 4 dias. Entre 2008 e 2010, acompanhou tocando surdo o psicólogo alemão Henning von Vangerow, professor avançado de Taketina, nos workshops que conduziu em São Paulo, um deles com o grupo Barbatuques. Para ser o primeiro instrutor em toda a América Latina, Gustavo deve concluir seis módulos do treinamento intensivo (Taketina Rhythm Teacher Training), que acaba em 2012, e a partir daí quer trazer ”a brincadeira” de vez para o Brasil.

“Sem esforço, expandimos nossa percepção, não apenas musical, mas em nossa vida cotidiana”, prossegue Gitti, para quem a técnica tem o potencial de nos alinhar com a vida e nos despertar de maneira divertida para o momento presente.

Tentamos acertar os passos assim como tentamos controlar a vida. Surge frustração, medo de errar, raiva, ansiedade, porém nada está acontecendo além de passos e palmas. Você começa a entender que a única coisa que está travando você é a sua mente, é o jeito que você enrijece, tensiona, tenta acertar, parecer que está bem. Já que o controle não funciona diante de uma polirritmia, aprendemos sem querer, com o corpo, um outro modo de viver.

Gustavo Gitti

No início um gongo suave

A professora Ana Thomaz, praticante da técnica Alexander, conheceu Taketina na Inglaterra onde fez dois workshops, entre o ano 2000 e 2002, e é responsável pelas vindas de Henning von Angerow ao Brasil. Surpresa com os resultados corporais conquistados na primeira vivência, Ana sentiu que tinha alcançado outra relação com ritmo, coordenação, tempo e capacidade de criar o estado de presença. “Continuei sentindo aquele trabalho reverberando no meu dia-a-dia, senti que algo transmutara minha percepção”. De volta ao Brasil, quis continuar praticando Taketina e compartilhar com os brasileiros, o que faz em workshops anuais desde 2008, no espaço que mantém no bairro paulistano da Aclimação.

Aqui ela dá uma ligeira explicação para quem ainda não vivenciou a técnica:

Em uma roda, somos convidados a desenvolver um ritmo, tendo como base o som do surdo. Uma vez que este ritmo está bem estabelecido no grupo, o que já cria uma sensação incrível, partimos para a polirritmia, mantemos o ritmo inicial e acrescentamos um outro com outra parte do corpo, e o sistema nervoso central entra em um estado singular! Dois ritmos diferentes ao mesmo tempo no mesmo corpo junto com um grupo, um surdo nos dando a base e um berimbau nos apresentando outros caminhos.

Então partimos para um terceiro ritmo, entre mãos, pés e voz produzimos ritmos diferentes ao mesmo tempo. Nesse momento já não podemos estar em nenhum outro lugar além do estado presente, o presente se amplia e ganha passado e futuro. O corpo todo desperta, os dois hemisférios do cérebro sincronizam, estado de meditação ativa.

Ana Thomaz

Pra que serve?

Como não requer nenhum conhecimento musical, Taketina pode ser praticada por qualquer pessoa motivada pelos mais variados aspectos: o meditativo e psicológico, o foco no corpo e na dança, música e polirritmia, a contribuição para a educação, liderança e trabalho em grupo ou o aspecto terapêutico. Para músicos iniciantes intermediários, o principal foco do aprendizado é abrir mão do controle, desenvolver a orientação rítmica profunda, usá-la como uma ferramenta de crescimento pessoal e transformação. Para os profissionais – compositores, professores de música, regentes, percussionistas, bateristas, bailarinos – a técnica permite desenvolver a capacidade de executar ritmos complexos com naturalidade, relaxamento e groove.

Os resultados das pesquisas indicaram que pessoas que sofriam de doenças psicossomáticas, como zumbido, arritmia cardíaca, pressão arterial alta ou asma encontraram alívio após sessões de Taketina. Aplicada em diferentes terapias, como na terapia psicológica, terapia da dor, no trabalho com a toxicodependência e na ressocialização dos detentos, também é eficaz na preparação para uma sessão terapêutica. A prática realça ainda a competência em lidar com situações complexas, gestão eficaz do caos, a percepção de múltiplas camadas, qualidades necessárias no cotidiano de qualquer tomador de decisão.

Os que já incorporaram as sessões em sua trajetória pessoal confirmam melhorias nos relacionamentos. As experiências sensuais rítmicas acessam estados de consciência considerados essenciais para todas as formas de prática interna, como a alegria, o silêncio interior. “Até hoje não conheci ninguém que chegou ao fim de uma sessão sem brilho no olho e um sorriso besta no rosto”, diz Gustavo, sintetizando: “O lance é experimentar com o corpo e ver qual benefício surge em você”.

One response

  1. Ines Artaxo Avatar
    Ines Artaxo

    Tive oportunidade de fazer uma oficina de Taketina no studio da Ana Thomaz, realmente è surpreendente o que a técnica pode contribuir. Voce se entrega de corpo e alma, esquece as outras preocupações e passa a vivenciar intensamente o agora com o ritmo individual e grupal. Na minha experiencia pude perceber que a Taketina tem um poder de transformar seu ritmo interno , acalmar suas ansiedades e buscar a calma o silencio dentro de voce. Vale a pena experimentar. Ines Artaxo